ÍNDIOS NO EXÉRCITO BRASILEIRO

Encontro-me com o estimado "Capitão Lima" num dia em que podíamos conversar à vontade. Sem pressa. Ao contrário do que tinha acontecido conosco, em outros casuais encontros, desde que eu solicitei o meu desligamento do Exército.
O então Cap. Lima, do Serviço de Intendência, e eu, primeiro tenente e depois capitão do Serviço de Saúde, fomos contemporâneos no Hospital Geral de Fortaleza (do Exército), no período de 1975 a 1977. À hora do almoço, costumávamos sentar à mesma invariável mesa, no cassino de oficiais do hospital, juntamente com o médico radiologista Maj. César Gurgel, do qual não tenho qualquer notícia há muito, muito tempo mesmo.
Lima não fora para a reserva no posto de capitão. A uma pergunta minha sobre o assunto, respondeu-me que chegara a tenente-coronel e, lembrando-se de que eu servira no Hospital de Guarnição de Tabatinga, no Amazonas, acrescentou que também passara um período de sua carreira militar em Tabatinga, no CFSol, o Comando de Fronteira do Solimões.
Estas curtas histórias, que me foram contadas pelo "Capitão Lima" (posto e nome de guerra colocados entre aspas, para lembrar a velha amizade), aconteceram naquela região do Amazonas em que o Brasil faz fronteiras com a Colômbia e o Peru.
O índio nu
Quando serviu no CFSol, Lima tinha entre seus comandados um soldado índio. Considerado pelos superiores hierárquicos um bom soldado, embora constasse de seu comportamento um "porém". Era sujeito a incontroláveis amuos.
Nessas ocasiões, ele dizia: "vou embora", tirava o uniforme e saía pelado do quartel – no rumo de sua tribo da etnia Tikuna.
Passado o lundu, o trânsfuga voltava todo desconfiado e pedindo reintegração no serviço militar. Sendo atendido pois, na verdade, ele nem chegava a ser expulso.
Em circunstâncias normais, um soldado desertor é severamente punido. Naquele local afastado do Brasil, o bom senso aconselhava uma certa tolerância para se lidar com pessoas de uma cultura diferente.
O índio e o português
No CFSol, havia um soldado a que chamavam Português. Era filho de lusitanos radicados no Brasil, daí o apelido.
Português e um soldado índio do batalhão ficaram grandes amigos, embora o primeiro fizesse do segundo o seu "ajudante de ordens".
Quando deram baixa no Exército, Português levou o índio para Manaus, onde foram morar juntos. Mas o índio logo retornaria para a aldeia natal.
Certo dia, o Comando tomou conhecimento de que o índio estava sendo submetido a maus tratos e vexames em sua aldeia. Embora não fosse um assunto da alçada militar, uma comissão foi criada para ir falar com o cacique.
O índio, de fato, encontrava-se amarrado, faminto e com evidentes sinais de tortura. O cacique explicou aos militares que o índio estava sendo exemplarmente punido. Porque ele retornara para a aldeia com alguns dos péssimos costumes do homem branco.
Para a sorte do apenado, o cacique concordou em relaxar a punição que vinha sendo aplicada ao índio.
Os índios mateiros
No calendário de treinamento militar do CFSol, uma vez por ano acontecia a grande marcha. O batalhão iniciava essa marcha pela manhã, retornando ao quartel ao pôr do sol.
Uma vez, o oficial que estava encarregado da organização da marcha resolveu inovar. Marcou o início da marcha para depois do almoço, apesar de advertido que o percurso era muito longo para ser cumprido no período de uma tarde.
Na densa floresta amazônica o dia escurece muito cedo. E o batalhão, quando anoiteceu, estava a muitos quilômetros do quartel e completamente perdido.
Bem, para quem está perdido todo mato é caminho, diz o provérbio. Sem explicar, porém, como é que se separa o mato do caminho. Nas horas seguintes, os soldados embrenharam-se cada vez mais naquela selva irreconhecível. E tiveram que pedir socorro, disparando os sinalizadores de emergência que levavam.
A partir do quartel, índios mateiros foram enviados para orientar o batalhão perdido. Voltaram pela madrugada.

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